Talvez hoje não seja muito lembrada. Não é tão iconica quanto Rita Hayworth ou Ava Gardner. Porém, Veronica Lake, uma das femme fatais por excelência do cinema, foi, no seu auge, tão ou mais famosa quanto as outras divas.
A sua carreira não é muito longa e os seus talentos de atriz são "ok". Porém, a sua imagem é muito singular e glamorosa. Quem lançou a ideia sensual do olho tapado foi esta estrela. Sem grande qualidade dramática, sem nenhuma beleza estonteante, mas com uma imagem de marca fascinante.
Veronica Lake foi, ao pé de Alan Ladd, a grande diva do noir e constitui com o ator a maior dupla deste género (até chegar Bogart com Bacall, dupla que se tornou o paradigma do noir). Não é que eu goste muito de nenhum dos noirs de Veronica e Allan em especial. Porém isso não retira qualidade aos seus trabalhos. O primeiro foi This Gun for Hire (1942), um noir poderoso e de qualidade apreciável. Suspense, crime, negritude, pessimismo. Está lá tudo. O filme é bastante lembrado, mas não se pode dizer que seja iconico. A química entre Allan e Veronica cria faísca e a tensão erótica entre os dois é misturada por uma doçura inocente que tornam a dupla tão singular. Os dois casam muito bem: são loiros e baixinhos. Ele sabe representar. Ela é glamorosa. Há um equilibrio apreciável.
Veronica Lake e Alan Ladd
Embora This Gun for Hire seja um bom noir, o papel de Veronica não é impactante. Aí está o problema da moça nos filmes negros que fez com Alan. Ela nunca tem um papel muito interessante. Gilda, Cora, Kittie e, como não referir, Phyllis, são personagens fabulosas. Mas as de Veronica não. Na verdade, devo acrescentar também que ela nunca faz de femme fatal. A sua imagem é vendida como tal. No entanto, as suas personagens não conduzem o herói à destruição. Muito pelo contrário. De facto, em This Gun for Hire e The Blue Dalia (1946), Veronica ajuda Alan a resolver as perigosas situações que o envolvem.
Veronica fez mais dois noirs com Alan: The Glass Key, de 1942, (confuso mas apreciável) e o já referido The Blue Dalia (leve, não fascinante mas agradável). É importante dizer que este último já foi realizado numa altura em que a carreira de Veronica não estava na melhor fase e nunca mais voltaria a ser a mesma. O seu age foi a primeira metade dos anos 40, onde entrou em maravilhosas películas. Na segunda metade da década, a loira só faria de jeito The Blue Dalia, onde, ainda por cima, já não apresenta o mesmo magnetismo. Isto porque a sua bela franja já não esconde o seu olho.
Imagem (publicitária?) de The Glass Key
Imagem (publicitária?) de The Blue Dalia
Se Veronica foi diva nos noirs, também não se pode dizer que a loira não tenha brilhado nas comédias. Sinceramente, eu gosto mais de vê-la neste género, o que é provavelmente justificado pelo seu melhor filme ser Sullivan's Travels (1941). Este é, de facto, uma obra-prima. Screwball, ligeiramente melodramática e com muito sex appeal (mais por parte da personagem masculina, Joel McCrea, do que pela própria Veronica), Sullivan's Travels é adorado por muitos, ainda que devesse ser mais falado. É o filme onde Veronica se encontra mais bela. O cabelo comprido, ocultando um pouco um dos olhos, é tão poderoso que inspirou o poster do filme (o meu poster favorito de toda a história do cinema).
I married a Witch (1942) é uma franjinha comédia, mas agradável de assistir e demonstrando uma maravilhosa Veronica (para mim, ela tem aqui o seu melhor desempenho).
Poster de Sullivan's Travels
Cena de Sullivan's Travels, onde Veronica mostra o seu talento (ainda que seja uma atriz limitada) para a comédia
Uma das cenas mais famosas do mesmo filme
A bela Veronica
Ela aparece a maior do tempo de mendiga, o que é uma pena, visto estar tão glamorosa nas restantes cenas
Veronica era, julgo eu, uma das estrelas mais rentáveis da Paramount e tinha o mundo aos seus pés. Além de ter entrado em filmes que são indiscutivelmente apreciáveis em termos académicos e de gosto do grande público, a mulher conseguiu que um monte de norte-americanas copiassem o seu corte de cabelo. Isto é maravilhoso para uma estrela, não visse esta o seu reconhecimento como tal através dessa espécie de homenagem. Porém, as coisas não podiam ter sido pior para a pequena (literalmente) Veronica. A mulher do cabelo dourado e da cara angulosa viu-se como uma espécie de destruidora do bom funcionamento no local de trabalho das suas fãs. Por copiarem o seu visual, as operárias das fábricas cometiam acidentes enquanto trabalhavam. O olho tapado não era uma boa opção para essas mulheres.
Cena de I married a witch
Ora, de forma a resolver-se o problema, decidiu-se que Veronica deveria pentear o seu cabelo de outro modo. A Rita Hayworth quase assassinou a sua imagem de estrela quando viu o seu cabelo cortado em The Lady from Shanghai. É certo que voltou a deixá-lo crescer. Porém, a imagem que teve em Gilda nunca mais se repetiu. Com Veronica foi pior. Além de alterar (julgo que tambó´rm cortou) a sua imagem de marca, a mulher viu-se com um novo e terrível penteado. Nada a seu favor.
O cabelo bonito e o olhinho tapado
Beldade
Veronica Lake muito Lake
Imponente
Misteriosa
A sua essência no cabelo
Não! Porquê?
Este corte já não é aquele que foi revelado com sendo o novo penteado de Veronica (foto acima). Sempre é melhor
Aqui está o vídeo que revela o acontecimento do corte de cabelo
Veronica não era tão bonita quanto Rita e, tendo um penteado nada harmonioso (ainda que estivesse na moda), perdeu a sua essência. Felizmente, podemos acreditar que a sua mudança de visual permitiu que os acidentes nas fábricas terminassem.
Veronica e Rita com os penteados modificados
Nos anos 50, Veronica já pouco dizia em Hollywood.
Por volta dos anos 60, penso eu, foi encontrada a trabalhar como empregada de um Hotel. Problemas alcoólicos e financeiros tornaram a sua vida bastante amarga.
Uma já não estrela Veronica Lake junto ao estúdio que a converteu num ídolo de Hollywood
Felizmente, chegou a escrever a sua auto-biografia, que, dadas as boas vendas, lhe garantiu alguma estabilidade.
Veronica não era convencida e sabia que a sua carreira não era brilhante. Isso revela que a mulher, embora difícil, não era uma megéra. Algumas das suas citações mostram um lado humano deveras agradável:
I wasn't a sex symbol, I was a sex zombie.
Hollywood gives a young girl the aura of one giant, self-contained orgy farm, its inhabitants dedicated to crawling into every pair of pants they can find.
[on Alan Ladd] Alan Ladd was a marvelous person in his simplicity. In so many ways we were kindred spirits. We both were professionally conceived through Hollywood's search for box office and the types to insure the box office. And we were both little people. Alan wasn't as short as most people believe. It was true that in certain films Alan would climb a small platform or the girl worked in a slit trench. We had no such problems together.
[on Marlon Brando] Our romance was short but sweet. He was on the dawn of a brilliant film career, and I was in the twilight of one. Of course, my career could never compare with his.
I think I've developed into an actress because I've worked darn hard at it and I've learned a great deal from a lot of gifted people. And if I have nothing else to show for my life, apart from a scrapbook full of cuttings, I have the knowledge that my early days in Hollywood weren't in vain.
Uma carreira com poucos títulos, mas pautada pela qualidade e pela fascinante presença de uma mulher magra e baixinho que deambulava com o seu cabelo caído como um fantasma. O corte deste abalou o resto da sua vida. O que eu não entendo é por que razão não lhe fizeram um penteado mais bonito ou semelhante ao que tinha. Ou então cortavam só a franja. Desse modo, ficava tudo na mesma, ou quase. Poderia ter ficado com o penteado como Rita. Acredito que assim a sua essência não desapareceria. Veronica Lake vai ser sempre conhecida por esse cabelo maravilhoso que cobria o seu olho, mesmo que o tenha visto destruido em plena carreira de sucesso. E mesmo que esse sedoso cabelo loiro tenha sido vandalizado, a personagem da Jessica Rabbit só prova a influência que a imagem de marca de Veronica conheceu e conhece ainda hoje.
Não era a mais bela nem a melhor atriz. Acontece que isto não quer dizer que ela não fosse bonita e talentosa. Porém, a meu ver, há algo mais. A resposta está nos seus olhos. Aqueles olhos azuis de gatinha são intrigantes, fascinantes. O nariz arrebitado e o ar empertigado captam a atenção. E há o magnetismo. Ela tem algum. Exótica, simpática e talentosa, ela foi oficialmente a "Rainha de Hollywood" junto a Clark Gable, que ocupou o lugar de rei! Ela foi a inigualável Myrna Loy.
Clark Gable é conhecido ainda hoje como o rei. Com Myrna isso já não acontece. Eu penso mesmo que, na altura (anos 30) em que foi nomeada, o título não lhe ficou tão associado como no caso de Gable. Independentemente disso, percebe-se que, se Myrna foi votada pelo público como rainha, é porque era uma estrela com grande número de fãs.
A "coroação" de Calrk Gable e Myrna Loy
Myrna tinha classe, charme, sofisticação e doçura. Não era distante como Grace Kelly. Era próxima como Deborah Kerr. Antes da vinda do cinema sonoro, a diva fez vários filmes para a MGM, onde encarnava papéis exóticos. Certamente que alguma destas fotos dizem respeito a filmes mudos, onde Myrna fez de mulher exótica:
Com a chegada do som, Myrna, assim como a sua eterna amiga Joan Crawford, conseguiu integrar-se maravilhosamente bem nos filmes falados. E é aí que a sua carreira de qualidade começa.
Fez drama e comédia. A série de filmes The Thin Man (o primeiro é o mais conceituado e foi feito em 1934), onde dividia o estrelado com William Powell, foi das mais bem sucedidas da história. A química entre os dois é fantástica. É a minha dupla favorita da história do cinema. Tanta cumplicidade, tanta diversão, tanto glamour e tanta energia! A série mistura suspense e comédia e não envelheceu em nada. Talvez por não retratar a realidade da época.
Outros títulos que merecem destaque são The Great Ziegfeld (1936), também com William Powell (fizeram juntos 18 filmes), e The Rains Came (1939), com Tyrone Power. Aqui, Myrna explora o drama, em vez da comédia e não desilude. No entanto, devo frisar que a sua praia é a comédia com champanhe e vestidos de alta costura.
Myrna no trailer de The Great Ziegfeld
Nos anos 40, a sua vida profissional foi bem mais parada, pois Myrna concentrou-se em ajudar as tropas americanas durante a 2ª Guerra Mundial. Ela era, de facto, uma mulher muito altruísta. Apesar de tudo, foi em 1945,que a atriz realizou o melhor e mais popular filme da sua carreira: The Best Years of Our Lives, de William Wyler. Filme extremamente sensível e envolvente. Um dos grandes da história. E, mais uma vez, ela fez de mulher perfeita. Porém, se em The Thin Man, Myrna era perfeita mas divertida e mimada, em The Best Years of Our Lives é sensível, carinhosa, preocupada, sábia. Perfeita mesmo.
Nunca fez muitos filmes a cores e reparo que a sua beleza nunca foi grandemente explorada. Não há muitos close-ups ao seu rosto nem momentos que existam somente para realçar a sua beleza. Mesmo que Myrna não fosse Garbo, julgo que merecia melhores entradas. Mas como esquecer a maravilhosa, ainda que nada glamorosa, entrada dela em The Thin Man (1934)?
Cena de The Thin Man
(outra vez com a mesma careta): cena clássica de The Thin Man
Algumas frases que ilustram este maravilhoso ser humano (retiradas do IMDB):
[on her work with William Powell] I never enjoyed my work more than when I worked with William Powell. He was a brilliant actor, a delightful companion, a great friend and, above all, a true gentleman.
I was a homely kid with freckles that came out every spring and stuck on me till Christmas.
[on her "Perfect Wife" label, based on her work in Os melhores Anos das Nossas Vidas(1946)] It was a role no one could live up to, really. No telling where my career would have gone if they hadn't hung that title on me. Labels limit you, because they limit your possibilities. But that's how they think in Hollywood.
[Speaking in the late 1960s] I admire some of the people on the screen today, but most of them look like everybody else. In our day we had individuality. Pictures were more sophisticated. All this nudity is too excessive and it is getting very boring. It will be a shame if it upsets people so much that it brings on the need for censorship. I hate censorship. In the cinema there's no mystery. No privacy. And no sex, either. Most of the sex I've seen on the screen looks like an expression of hostility towards sex.
[Referring to her "perfect wife" typecasting] Some perfect wife I am. I've been married four times, divorced four times, have no children, and can't boil an egg.
I was glamorous because of magicians like George J. Folsey, James Wong Howe, Oliver Marsh, Ray June, and all those other great cinematographers. I trusted those men and the other experts who made us beautiful. The rest of it I didn't give a damn about. I didn't fuss about my clothes, my lighting, or anything else, but, believe me, some of them did.
[on Barbra Streisand] I think Barbra Streisand is a genius, the creativity she has! And I am very impressed with her as a person. Some years ago I was on the Academy Awards broadcast, she came up to me. I was standing in the wings and Barbra walked across the stage to greet me. Very polite, very nice. You don't find many young women who extend that kind of gracious courtesy to an older woman. Audrey Hepburn does. And Barbra. I've not forgotten how charming she was.
[on William Powell] The later ones [the "Thin Man" pictures] were very bad indeed, but it was always a joy to work with Bill Powell. He was and is a dear friend and, in the early Thin Man films with [director W.S. Van Dyke], we managed to achieve what for those days was an almost pioneering sense of spontaneity.
[on Doris Day] I have nothing but the best to say about Doris Day. She was wonderful to me, really lovely. She sent flowers when I started and remained friendly and attentive. As I've said, it's difficult when you start stepping down. You fight so hard to get to the top and then you realize it's time to gracefully give in a little. Doris, who was riding high then, never played the prima dona. I appreciated her attitude enormously.
[In 1981, on her friend Joan Crawford] Joan and I approached being movie stars in a different way. She liked to take limos everywhere; she was much "grander", for lack of a better word, and maybe I was much more down to earth, but so what? Joan certainly wasn't the only movie star who liked the champagne and limousine treatment. I can tell you that when you made a friend in Joan you had a friend for life. She never forgot your birthday, and you'd get a congratulatory note from her when good things happened in your life. She cared about people and her friends, no matter what anybody says. I liked her, and I miss her, and I think her daughter's stories are pure bunk. Even if they were true, if ever there was a girl who needed a good whack it was spoiled, horrible Christina [Christina Crawford]. Believe me, there were many times I wanted to smack her myself.
“Why does every black person in the movies have to play a servant? How about a black person walking up the steps of a courthouse carrying a briefcase?”
Tinha sentido de humor, era correta, altruísta e contra o racismo. Nunca li ou ouvi ninguém a dizer mal de Myrna Loy. Tinha tudo para se armar em vedeta. Mas não me parece que se tenha armado em nenhuma.